terça-feira, setembro 23, 2003

O valor da comida









Se você acha que os restaurantes cobram muito caro, pense de novo ? por Marcelo Träsel



Antes de aprender a cozinhar, achava muito alto o preço da comida em restaurantes. Hoje, considero a culinária um hobby de luxo, a que só me dou direito porque um homem precisa se dedicar a alguma coisa que não seja o trabalho. Comer em restaurantes não é caro, você é que pode não ter a grana suficiente para fazê-lo - e é claro que não estamos falando aqui do bifê a quilo da esquina.



Um exemplo de fácil compreensão é a microeconomia do cheesecake [torta de queijo]. Um bom espécime do gênero custa por volta de R$ 25 nas confeitarias de Porto Alegre. Se você for cozinhar uma em casa, o que aparentemente seria mais barato, vai notar que os confeiteiros até andam camadaradas. Só as 400g de cream cheese necessárias, em média, custam cerca de R$ 10. Mais pelo menos R$ 2,50 em creme de leite fresco; R$ 5 para a polpa de frutas da cobertura; mais algo em torno de R$ 5 para ovos, farinha e açúcar. Só nos ingredientes, já chegamos a R$ 22,50.



Mas o cozinheiro de fim-de-semana ainda tem de contabilizar o gás para o forno e o fogão, a eletricidade para a batedeira e a água para lavar a louça. Some-se a isso o desperdício de ingredientes nas primeiras duas ou três tentativas, até acertar receita. Passa fácil dos R$ 25 por torta. No caso das confeitarias, o proprietário ainda precisa pagar funcionários, aluguel, impostos, gastos administrativos, enfim, um mundo de coisas. Só conseguem ter lucro porque compram os ingredientes em quantidade e produzem em série.



Com os restaurantes, funciona mais ou menos da mesma maneira, adicionando-se aí os custos do salão de jantar e jabás para colunistas de gastronomia - aliás, estou aberto a convites, mas prometo falar o que penso. A margem de lucro fica muito pequena e flutuações mínimas no fluxo de clientes podem acabar com um estabelecimento que, azar dos azares, muitas vezes depende dos humores da moda. Basta a pequena-burguesia se deslocar duas quadras acima no bairro boêmio da cidade e, se seu cozinheiro não é competente, vai perder toda clientela.



Claro que existem embromações diversas no setor alimentício, com centenas de restaurantes hype e up to date que cobram pela honra de ser visto pelos neobobos e colunistas sociais ao deliciar-se com um fino repasto, ou cobram um preço alto por uma porcaria de angu sem personalidade que o chef oriundo de família abastada aprendeu numa escola de Nova York. No geral, entretanto, não é o restaurante que cobra um preço absurdo; você que é um chinelão e não tem dinheiro sobrando para aproveitar este luxo da vida moderna. Não adianta ficar culpando os proprietários de restaurantes pelas iniqüidades do capitalismo.



Da mesma maneira, alguns produtos custam mais caro porque são muito superiores, dão muito mais trabalho para fazer e utilizam ingredientes mais caros. É o caso dos sorvetes Häagen-Dasz e dos chocolates Lindt-Sprüngli, por exemplo. Um pote do primeiro custa em média R$ 21, enquanto uma barra do segundo não sai por menos de R$ 8. Mas valem cada centavo do preço.



Em primeiríssimo lugar, vem a qualidade. Não é apenas sorvete. Se você pensa assim, vá comer sorvete da Xuxa e caia morto. O Häagen-Dasz tem um sabor inigualável entre os industrializados, vendidos em potes no supermercado - eventualmente, o de alguma sorveteria, feito no local e na hora, pode ser melhor - e é produzido sem conservantes, sem gordura vegetal hidrogenada, sem gomas, sem estabilizantes.



Quanto menos produtos artificiais e truques químicos se usa para fabricar um alimento destinado às massas, mais trabalho e mais gastos. É mais difícil controlar o sabor de ano para ano, mais difícil conservar, ou seja, o transporte precisa ser especializado, assim como as geladeiras no ponto de venda. Os ingredientes precisam ser melhores e, logo, mais caros. Além disso, leite custa muito mais do que gordura vegetal, então você vai gastar mais para preencher os mesmos 500ml. Como



é um produto de luxo e importado, ainda vai pagar uma carrada de impostos antes de estar à disposição do consumidor.



Os chocolates Lindt seguem a mesma regra. O cacau não pode vir de qualquer chácara. É preciso pagar alguém para descobrir as melhores safras em determinado ano, além de investir mais recursos em manter os fornecedores fiéis. As embalagens são projetadas especialmente para manter o frescor e o sabor do chocolate, então demandam muito mais investimento. Finalmente, a Lindt não atola seus chocolates com parafina, o que é um dos fatores que melhoram seu paladar. Em compensação, precisam gastar em pesquisa, para descobrir outra maneira de o chocolate não derreter no calor.



A lista de motivos para um produto de qualidade superior custar mais caro do que outros é interminável. R$ 21 por 500ml de sorvete pode até ser algo extraterreno a seu orçamento, mas a culpa não é da Häagen-Dasz. A culpa é do governo, que não distribui a renda direito, e do miserável do seu patrão, que paga aquele salário ridículo.

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