quarta-feira, novembro 06, 2002

Gostei deste Blog.



The Matrix



Não, tu não vais, acreditar, eu não acredito. Sabe assim, dois universos paralelos? E de repente, não mais que de repente, um borrão no papel, uma falha no Matrix faz com que estes dois universos se toquem.



Ainda estou perplexa. Esta quarta-feira abalou o meu mundo.





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No clima do Manifesto Comunista, a poesia que apresentei na aula ontem.





Operário em Construção

Vinicius de Morais



Era ele que erguia casas

Onde antes só havia chão.

Como um pássaro sem asas

Ele subia com as asas

Que lhe brotavam da mão.

Mas tudo desconhecia

De sua grande missão:

Não sabia por exemplo

Que a casa de um homem é um templo

Um templo sem religião

Como tampouco sabia

Que a casa quer ele fazia

Sendo a sua liberdade

Era a sua escravidão.

De fato como podia

Um operário em construção

Compreender porque um tijolo

Valia mais do que um pão?

Tijolos ele empilhava

Com pá, cimento e esquadria

Quanto ao pão, ele o comia

Mas fosse comer tijolo!

E assim o operário ia

Com suor e com cimento

Erguendo uma casa aqui

Adiante um apartamento

Além uma igreja, à frente

Um quatel e uma prisão:

Prisão de que sofreria

Não fosse eventuialmente

Um operário em contrução.

Mas ele desconhecia

Esse fato extraordinário:

Que o operário faz a coisa

E a coisa faz o operário.

De forma que, certo dia

À mesa, ao cortar o pão

O operário foi tomado

De uma súbita emoção

Ao constatar assombrado

Que tudo naquela mesa

- Garrafa, prato, facão

Era ele quem fazia

Ele, um humilde operário

Um operário em construção.

Olhou em torno: gamela

Banco, enxerga, caldeirão

Vidro, parede, janela

Casa, cidade, nação!

Tudo, tudo o que existia

Era ele quem os fazia

Ele, um humilde operário

Um operário que sabia

Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento

Não sabereis nunca o quanto

Aquele humilde operário

Soube naquele momento

Naquela casa vazia

Que ele mesmo levantara

Um mundo novo nascia

De que sequer suspeitava.

O operário emocionado

Olhou sua propria mão

Sua rude mão de operário

De operário em construção

E olhando bem para ela

Teve um segundo a impressão

De que não havia no mundo

Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro dessa compreessão

Desse instante solitário

Que, tal sua construção

Cresceu tambem o operário

Cresceu em alto e profundo

Em largo e no coração

E como tudo que cresce

Ele não cresceu em vão

Pois além do que sabia

- Excercer a profissão -

O operário adquiriu

Uma nova dimensão:

A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu

Que a todos admirava:

O que o operário dizia

Outro operário escutava.

E foi assim que o operário

Do edificio em construção

Que sempre dizia "sim"

Começou a dizer "não"

E aprendeu a notar coisas

A que não dava atenção:

Notou que sua marmita

Era o prato do patrão.

Que sua cerveja preta

Era o uísque do patrao.

Que seu macacão de zuarte

Era o terno do patrão

Que o casebre onde morava

Era a mansão do patrão

Que seus dois pés andarilhos

Eram as rodas do patrão

Que a dureza do seu dia

Era a noite do patrão

Que sua imensa fadiga

Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!

E o operário fez-se forte

Na sua resolução

Como era de se esperar

As bocas da delação,

Começaram a dizer coisas

Aos ouvidos do patrão,

Mas o patrão não queria

Nenhuma preocupacão.

- "Convenciam-no" do contrário

Disse ele sobre o operario

E ao dizer isto sorria.

Dia seguinte o operário

Ao sair da construção

Viu-se súbito cercado

Dos homens da delação

E sofreu por destinado,

Sua primeira agressão.

Teve seu rosto cuspido,

Teve seu braço quebrado.

Mas quando foi perguntado

O operário disse: Não!

Em vão sofrera o operário,

Sua primeira agressão.

Muitas outras seguiram,

Muitas outras seguirão.

Porém, por imprescindível

Ao edificio em construção

Seu trabalho prosseguia.

E todo o seu sofrimento

Misturava-se ao cimento,

Da construção que crescia.

Sentindo que a violência

Não dobraria o operário,

Um dia tentou o patrão

Dobra-lo de modo contrário.

De sorte que o foi levando,

Ao alto da construção

E num momento de tempo,

Mostrou-lhe toda a região

E apontando-a ao operário,

Fez-lhe esta declaração:

- Dar-te-ei todo esse poder

E a sua satisfação.

Porque a mim me foi entregue

E dou-o a quem quiser.

Dou-te tempo de lazer,

Dou-te tempo de mulher.

Portanto, tudo o que vês,

Será teu se me adorares

E, ainda mais, se abandonares

O que te faz dizer não.

Disse e fitou o operário,

Que olhava e refletia.

Mas o que via o operário

O patrão nunca veria.

O operário via casas

E dentro das estruturas

Via coisas, objetos.

Produtos, manufaturas.

Via tudo o que fazia,

O lucro do seu patrão

E em cada coisa que via

Misteriosamente havia

A marca de sua mão.

E o operário disse: Não!

- Loucura! - gritou o patrão

Não vês o que te dou eu?

- Mentira! - disse o operário

Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se

Dentro do seu coracão.

Um silêncio de martírios,

Um silêncio de prisão.

Um silêncio povoado

De pedidos de perdão.

Um silêncio apavorado,

Com o medo e solidão.

Um silêncio de torturas

E gritos de maldição.

Um silêncio de fraturas

A se arratarem no chão.

E o operário ouviu a voz

De todos os seus irmãos.

Os seus irmãos que morreram

Por outros que viverão.

Uma esperança sincera

Cresceu no seu coração.

E dentro da tarde mansa

Agigantou-se a razão

De um homem pobre e esquecido.

Razão porém que fizera

Em operário construído.

O operário em construção





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